Pinceladas europeias
Magnífica jornada desportiva, bem à altura da história do Belenenses, aquela a que assistimos ontem ao final da tarde no Restelo. Na verdade, os nossos profissionais, de cabeça bem erguida, demonstraram um querer e uma garra que muito me orgulham e que os absolve por completo do resultado final de uma eliminatória que nos colocava frente a um dos maiores orçamentos do futebol mundial. Para mais, registe-se a animação antes do encontro - também ela ao nível da contenda e bem melhor do que é hábito - e a feliz preocupação em bem receber os adeptos alemães (civilizadíssimos e bem dispostos, também eles à altura do desafio, numa festa que continuou noite fora pela zona histórica de Belém).
Nota negativa apenas para a desastrosa política de preços (e de acompanhantes) que afastou do Restelo inúmeros interessados em nele marcar presença. É espantoso como se deita à rua uma oportunidade quase única de efectuar uma grande casa (menos de 10.000 pessoas num jogo que decide uma eliminatória que é possível ganhar, numa prova que não disputávamos há 20 anos, contra um dos colossos do futebol europeu está mais perto de ser uma vergonha do que uma grande casa). Adiante.
O Belenenses proporcionou 60 minutos à beira do sonho, sendo que nos primeiros 40 Costinha (em óptimo plano) não chegou a fazer uma defesa digna desse nome. O Belenenses foi controlando as operações e, se bem quem com evidentes preocupações defensivas - bem legítimas! -, teve logo a abrir três boas ocasiões de alterar o destino da eliminatória. Voltou a equipa a falhar sobretudo na finalização, embora eu me mantenha na minha: o Belenenses que hoje observamos é melhor do que o Belenenses que subia aos relvados há exactamente um ano (tem aliás mais dois pontos na Liga). Sucede que se já na época passada Dady tardou a aparecer e Garcés só chegou em Janeiro, também este ano a equipa parece manca no último quarto do terreno. É problema que se resolve com o tempo e com os treinos, sendo que há este ano inquestionavelmente mais soluções para que possa nascer um super-dady. A ver vamos se me engano.
Permitindo-me destacar individualidades num grupo que durante 60 minutos valeu essencialmente como equipa, gostei especialmente de Ruben Amorim e Silas. O Ruben está adulto, um senhor jogador - aliando garra, versatilidade e inteligência. Já o Silas, nos dias em que a coisa sai bem e tem vontade de levar a equipa para a frente, dispensa apresentações (aliás como o Zé Pedro, a quem agora se observam interessantes preocupações defensivas). Weldon e Roncatto trabalharam imenso - o primeiro melhor do que o segundo - e Amaral e Mendonça entraram muito bem no jogo. Continuo sem perceber porque é o angolano tão pouco utilizado nos compromissos caseiros...
O que vou dizer de seguida é evidente mas, por justiça para com os nossos craques e em especial pelo sexteto mais defensivo, nunca será excessivo repeti-lo: do outro lado estava o Bayern de Munique e não aquela simpática rapaziada do Shakhtar Donetsk! E eu, que sou amante do futebol, folgo em ter visto ao vivo pela primeira vez o Luca Toni que é, sem favor, um dos cinco melhores pontas de lança do mundo e que para isso nem precisa que o apoio dos alas actue em grande plano. Toni - excepcional a jogar no limite do fora de jogo - marcou o golo que dita a morte do nosso sonho depois de uma recepção de bola tão difícil quanto fantástica e de um remate de primeira que distingue os predestinados dos medianos. Os predestinados não inventam. E se me permitem uma opinião contra-corrente, o golo é perfeitamente legal (ao invés da grande penalidade clara que ficou por assinalar a nosso favor poucos minutos depois).
Rematando: o aplauso final e quase unânime que dedicámos aos nossos profissionais vai de algum modo ao encontro de uma das frases de Jorge Jesus na conferência de imprensa final. Se o Belenenses deixar sempre em campo o sangue, o suor e as lágrimas que ontem ficaram no Restelo, independentemente do adversário, não vejo que haja muitos jogos da competição interna que possamos perder. Se Jesus disso mentalizar os craques e em entendendo estes a lição, o futuro é risonho. O rigor e o querer do Belenenses dos primeiros 60 minutos dariam, já na segunda-feira, três batatas ao Boavista.
Duas notas finais. A primeira é uma pergunta: alguém sabe qual a razão do "Bar do Rugby" não dar agora apoio aos comes e bebes (situação que já verifiquei frente ao Leiria)? É que as capacidades humanas têm limites, o simpático estaminé do lado não dá para tudo e a situação ontem vivida ao intervalo, pelo péssimo serviço prestado (pelo clube, não por quem serve e faz o seu melhor!), está nos limites do ridículo.
Segundo ponto: já aqui o escrevi uma vez mas repito; creio que face ao novo quadro legal a Fúria Azul deve merecer do Belenenses todo o apoio possível e imaginário. Não sei se é o que se verifica, quero crer que não, mas não consigo conter a dúvida: se os adeptos alemães podem cobrir toda a superior de faixas, umas atrás das outras, a Fúria Azul não pode colocar as suas porquê? Acaso a claque alemã se registou formalmente junto das nossas autoridades?