Nós, Pastéis, e os Merengues
Magnífica a notícia de que iremos participar no importantíssimo torneio Teresa Herrera, onde teremos a oportunidade de defrontar de novo o gigante Real Madrid. Sem desprimor para o "Depor" - valoroso anfitrião - o jogo com os "merengues" é obviamente mais sonante, por variadas razões. Será o nosso 9º encontro com os "madrileños"!
A propósito, "repesquei" um texto (entretanto revisto) que escrevi há tempos sobre este historial comum. Para qualquer equipa, é uma honra jogar com o Madrid. Mas como poderão ver, um Real Madrid - Belenenses... tem outra importância! Aqui vai:
A 14 de Dezembro de 1947, o Belenenses foi o Clube convidado pelo Real Madrid para a inauguração do seu novo estádio de Chamartin (o actual Santiago Bernabéu). Nem mais, nem menos.
Mas este não foi o princípio nem o fim da história. Foi sim um momento marcante, que liga os dois emblemas de forma muito especial.
Os primeiros encontros entre Belenenses e Real Madrid tiveram lugar praticamente na fronteira entre os dois países, em Ayamonte, com o pretexto de inaugurar o Estádio Municipal, juntando assim duas das equipas mais fortes da península. Era uma espécie de "Taça Ibérica", e aconteceu em Setembro de 1930. O Belenenses tinha sido campeão de Lisboa e de Portugal na época 1928/29 e, na época de 1929/30, campeão de Lisboa em todas as categorias (três). O Real Madrid, curiosamente, ainda não tinha conseguido ser campeão da 1ª divisão espanhola (iniciada em 1928), mas era já uma equipa fortíssima.
No primeiro jogo, a 7 de Setembro de 1930, o Real Madrid levou a melhor, vencendo por 5-0. Dois dias depois (dia 9 de Setembro), porém, conseguimos a primeira vitória, vingando bem o desaire inicial: marcámos três golos sem resposta!
Em Ayamonte alinharam pelos nossos: João Tomaz, João Belo, Américo Antunes, João Silva Marques, César de Matos, Alfredo Ramos, José Manuel Soares (o inesquecível "Pepe"!), Júlio de Sousa, Raúl, Bernardo e José Luís. O treinador era ainda o grande Artur José Pereira, nosso principal fundador e homem habituado a grandes desafios internacionais havia décadas.
Mas, com a falta de meios e a terrível Guerra Civil espanhola (1936-39), os dois clubes tiveram de esperar algum tempo até se encontrarem de novo.
O reatar e intensificação da relação entre os clubes ocorreram em 1945, ano em que dirigia os destinos do Clube o Dr. Octávio de Brito, tendo por Vice-Presidente Acácio Rosa (se o que vamos contar não basta, lembre-se ainda que o Dr. Octávio de Brito é o único Presidente a ter conseguido no seu mandato a conquista do Campeonato Nacional da 1ª Divisão!).
Recorde-se que, na altura, não existiam ainda competições europeias de clubes, pelo que os desafios internacionais se resumiam a jogos não oficiais, jogos "amigáveis". Desta forma, o "jogo" em si - o futebol - desenvolvia-se de forma distinta nos vários países, não existindo ainda uma percepção clara de quais os países onde estavam as melhores equipas ou o melhor "futebol".
Os primeiros jogos entre Selecções, no entanto, iam fornecendo algumas indicações. Os encontros entre Portugal e Espanha eram exemplo disso, sendo já nessa altura dos mais antigos e numerosos.
Precisamente em 1945 disputaram-se dois deles, em Lisboa (empate a 2-2) e na Corunha (derrota por 2-4), contando - claro - com a presença de um significativo contingente "azul" (5 jogadores!). Se a isto juntarmos o facto de o Belenenses ser uma das equipas mais fortes de Portugal (no Campeonato de 44/45 foi 3ª, em igualdade de pontos com o SCP e a 3 pontos do primeiro [SLB], contando com o 2º melhor ataque e a 2ª melhor defesa), o interesse em intensificar as experiências no estrangeiro aumentou.
Devemos realçar ainda que este interesse não era exclusivo do futebol. Também em 1945 (Fevereiro) deslocou-se a Madrid uma Selecção de Lisboa de Andebol, contando com 4 jogadores Belenenses e o próprio Acácio Rosa como Seleccionador. A iniciativa teve um impacto significativo, mesmo no país vizinho. Para mais os portugueses saíram vencedores por 6-4!
Foi neste contexto que o Belenenses decidiu aceitar o convite para se deslocar a Madrid, não sem ponderar muito bem a "novidade". Transcrevemos em seguida um comunicado do nosso Presidente, justificando precisamente a suposta "audácia" mas comentando também o desfecho, que, como veremos adiante, foi bem auspicioso:
O jogo em causa (em Madrid) foi disputado a 15 de Maio de 1945, com um espectacular e animador resultado: um empate a 2 bolas. O motivo principal do desafio foi uma homenagem ao jogador espanhol Alonso, que se encontrava lesionado há algum tempo. Aliciados pelo curriculum "azul", fortalecido pelos 5 internacionais que haviam jogado (e impressionado) em Madrid pela Selecção, os madrilenos acorreram em massa, esgotando a lotação do seu estádio de então (o Chamartin "antigo"). Antes de se iniciar a partida os dirigentes trocaram lembranças - Octávio de Brito e o próprio Santiago Bernabéu!, enquanto os jogadores de Belém (pelas mãos do grande capitão Mariano Amaro) ofereceram uma caravela de filigrana ao jogador homenageado.
Vejamos agora o relato da partida feito por Cândido de Oliveira, figura ímpar do futebol e da imprensa nacional (basta lembrar que foi co-fundador do Jornal "A Bola", do qual se retirou o excerto):
Mais palavras... para quê? Apenas mais estes "ecos", também do Jornal "A Bola":
Na retribuição da visita, novo êxito, desta vez com uma vitória! A 31 de Maio de 1945 o Belenenses venceu nas Salésias o Real Madrid, com um golo de Rafael.
Estavam lançadas as bases da amizade entre os dois Clubes.
Na época de 1945/46 o Belenenses confirmou a sua superioridade também a nível nacional, conquistando o Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Embora a época seguinte (1946/47) viesse a ser considerada como uma desilusão relativa pelos dirigentes (4ª lugar atrás do FCP!), para a época de 1947/48 renovaram-se as esperanças na equipa. Tendo isto em conta, bem como os agradáveis antecedentes de 1945, parece que não surgiram grandes dúvidas quando os dirigentes do Real Madrid resolveram convidar o Belenenses para a inauguração do seu novo estádio de Chamartin, obra máxima de Santiago Bernabéu, ainda Presidente dos "merengues" (tal como Octávio de Brito dos "pastéis"). De tudo isto mesmo nos deu conta Acácio Rosa:
O resultado, infelizmente, não foi o melhor: derrota por 3 bolas a 1. Mas a exibição da equipa foi soberba, de tal forma que o reconhecimento por parte da imprensa espanhola foi total e indubitável. Aliás o "caseirismo" do árbitro (e, em parte, o mau estado do terreno) foi o principal factor de influência do resultado, circunstância reconhecida pelos próprios espanhóis. Conclusão? Vejamos em primeiro lugar um artigo da revista portuguesa "Stadium", que resume perfeitamente os sentimentos "nacionais":
E agora, como resumiram Cândido de Oliveira e Tavares da Silva (outra grandiosa figura do nosso futebol):
Se porventura se poderá suspeitar dos relatos "nacionais" (embora os padrões jornalísticos estivessem muito acima dos de hoje), fiquemos então com diversos relatos dos próprios jornais espanhóis. Não deixam muitas dúvidas sobre o nosso valor e até a modernidade do nosso futebol:
Ora aqui temos: O Belenenses a jogar um futebol moderno, em linha com a vanguarda na Europa, de fazer corar os madridistas. Para isto muito contribuiu o técnico de então e "mito azul", Alejandro Scopelli. Foi ele que introduziu em Portugal o sistema WM, que como se pode ver surpreendeu até os espanhóis nesta visita do Belenenses. O Belenenses, à frente do Real Madrid!
Para que conste, aqui fica a equipa do Belenenses que alinhou nesse dia de 14 de Dezembro de 1947: Sério, Vasco, Feliciano, Serafim, Figueiredo, Mariano Amaro, Rocha, Quaresma, Teixeira da Silva, Pereira Duarte e Narciso. Artur Quaresma foi o autor do nosso golo (o único validado), tornando-se assim no primeiro estrangeiro e adversário do Real Madrid a marcar na sua nova casa!
Devemos referir também que a equipa de Basquetebol do Belenenses também acompanhou a comitiva a Madrid, obtendo resultados espectaculares: duas vitórias (34-51 e 31-35), conseguindo o troféu em disputa. Não esqueçamos a força do basquetebol do Madrid, patente até aos nossos dias!
Entretanto, nos anos seguintes, os "destinos" dos dois clubes foram divergindo significativamente. Poucos anos depois despediam-se do futebol Amaro (de forma infeliz), Artur Quaresma e Rafael, por exemplo. Para a época de 50 valeu ainda a chegada de outros excelentes jogadores, como Matateu, Di Pace ou Vicente.
Em 1954/55, curiosamente, Belenenses e o Real Madrid encontraram-se de novo, desta vez nas suas respectivas estreias em competições internacionais europeias. Foi a pioneira Taça Latina, tendo os "merengues" vencido em Paris por 2-0 (no outro jogo o Belenenses perdeu com o Milan - em Milão - por 3-1). O jogo teve lugar no dia 22 de Junho de 1955, no Parque dos Príncipes.
De qualquer forma, nesse torneio, Di Stefano e os seus companheiros não foram o maior alvo de atenções. Foi Matateu! Para a imprensa estrangeira, em unanimidade, foi ele a sensação da Taça Latina!
A equipa do Belenenses presente em Madrid foi a seguinte: José Pereira; Francisco Pires, Serafim Neves, Raul Figueiredo, Vicente Lucas, Di Pace, Dimas, Matateu, Ricardo Perez, Alberto Tito e Carlos Silva (recentemente falecido).
No ano seguinte começaria a disputa da Taça dos Campeões Europeus, cujas 5 primeiras edições foram conquistadas... pelo Real Madrid!
Avançando no tempo, veio uma década de 60 particularmente má para o Belenenses, enquanto o Real Madrid alcançava a sua 6ª Taça dos Campeões, em 1966. Era o fantástico Madrid "ye-ye" (por alusão à música dos Beatles - "She loves you, yeah yeah"), onde pontuavam Puskas, Amancio, Pirri ou o seu lendário capitão, Francisco ("Paco") Gento, que elevou o novo troféu.
E veio a ser o próprio Paco Gento o alvo de uma grande homenagem de despedida... em coincidência com o 25º aniversário da inauguração do Bernabéu! E ao pensar na equipa a convidar para tamanha festa, os dirigentes do Real Madrid parece que não perderam muito tempo. Escolheram a equipa que, 25 anos antes, tinha inaugurado o Santiago Bernabéu: o Belenenses.
Era na altura Presidente o Major Baptista da Silva... e, curiosamente, a equipa de futebol, novamente sob o comando do "regressado" Scopelli, estava a fazer uma época brilhante, um "oásis" no meio de épocas obscuras. Com efeito viria a obter melhor classificação dos últimos 51 anos, o 2º lugar! Talvez a boa época (em curso na altura) tenha pesado na decisão dos madridistas... apesar de tudo.
A equipa do Belenenses era de facto excepcional, contando com muitos dos melhores jogadores da nossa história mais recente, alguns dos quais indirecta ou directamente afamados no futebol português, por outras "andanças": Mourinho, Parreira, Calado, Freitas, Pietra, Murça, João Cardoso, Quinito, Alferdo Quaresma (o capitão, recentemente falecido), Godinho, Laurindo, Luis Carlos, Eliseu e Gonzalez (inesquecível e mágico paraguaio). Pese a modernidade do futebol de então, estes jogadores eram ainda - e são na sua maioria, felizmente - grandes Belenenses, com um amor à camisola impressionante.
A 14 de Dezembro de 1972 realizou-se então o jogo de comemoração das Bodas de Prata do Bernabéu com a grandiosa homenagem a Paco Gento. O público encheu 60.000 lugares do estádio para mais um grande jogo de futebol. Devemos referir que, dado o estatuto de Paco Gento, o Real Madrid viu-se "reforçado" para esta festa com outros grandes jogadores da época, como Dobrin (Rússia), Bené (Hungria), Djaric (Jugoslávia) e... Eusébio.
O resultado foi uma derrota por 2-1 - por si só menos má - mas a exibição foi também muito honrosa, um autêntico brilharete. Gento, o homenageado, saíu aos 28 minutos, não sem antes marcar o seu último golo pelo Real Madrid, na marcação de uma grande penalidade (se foi justa, não sei). Aliás, o público do Bernabéu gritou em coro o seu nome para que marcasse o referido penalti.
Chegados ao intervalo o Belenenses perdia por 2-0, acrescendo um outro golo do Madrid (por Pirri).
Na 2ª parte foi Quaresma que marcou o golo de "honra", honrando assim o Clube bem como a amizade de décadas para com o grande Real Madrid.
Mais tarde, em 1980 (14 de Agosto), as duas equipas voltaram a encontrar-se, na disputa do XXIIº Torneio da Cidade de Palma, em Palma de Maiorca. No estádio Lluis Sitjar (do RCD Maiorca) os "merengues" venceram apenas por 2-1, pese a diferença de valor das equipas (talvez a maior neste historial).
Alguns dos nomes madridistas ainda estarão bem presentes na nossa memória (inclusivé por terem integrado a Selecção anfitriã do Mundial de 1982, em Espanha): Santillana, Angel, Gallego, Juanito, Camacho (que já foi treinador em Portugal)...
Do lado do Belenenses alinharam: Delgado; Lima, Alhinho, Tózé, Carlos Pereira, Nogueira (Pinto da Rocha), Isidro, Baltasar, Djão, Moisés e Gonzalez. Djão foi o nosso marcador de serviço (não era de estranhar).
Dois dias depois o Real Madrid venceria este torneio, derrotando a Real Sociedad (horas antes o Belenenses teve de se contentar com o 4º lugar, ao perder com o Bohemians de Praga - da então Checoslováquia).
Foi assim que o Belenenses teve o privilégio de participar em grandes momentos de um dos melhores clubes do Mundo, dignificando por sua vez as suas cores e o valor do futebol português.
A propósito, "repesquei" um texto (entretanto revisto) que escrevi há tempos sobre este historial comum. Para qualquer equipa, é uma honra jogar com o Madrid. Mas como poderão ver, um Real Madrid - Belenenses... tem outra importância! Aqui vai:
A 14 de Dezembro de 1947, o Belenenses foi o Clube convidado pelo Real Madrid para a inauguração do seu novo estádio de Chamartin (o actual Santiago Bernabéu). Nem mais, nem menos.
Mas este não foi o princípio nem o fim da história. Foi sim um momento marcante, que liga os dois emblemas de forma muito especial.
Os primeiros encontros entre Belenenses e Real Madrid tiveram lugar praticamente na fronteira entre os dois países, em Ayamonte, com o pretexto de inaugurar o Estádio Municipal, juntando assim duas das equipas mais fortes da península. Era uma espécie de "Taça Ibérica", e aconteceu em Setembro de 1930. O Belenenses tinha sido campeão de Lisboa e de Portugal na época 1928/29 e, na época de 1929/30, campeão de Lisboa em todas as categorias (três). O Real Madrid, curiosamente, ainda não tinha conseguido ser campeão da 1ª divisão espanhola (iniciada em 1928), mas era já uma equipa fortíssima.
No primeiro jogo, a 7 de Setembro de 1930, o Real Madrid levou a melhor, vencendo por 5-0. Dois dias depois (dia 9 de Setembro), porém, conseguimos a primeira vitória, vingando bem o desaire inicial: marcámos três golos sem resposta!
Em Ayamonte alinharam pelos nossos: João Tomaz, João Belo, Américo Antunes, João Silva Marques, César de Matos, Alfredo Ramos, José Manuel Soares (o inesquecível "Pepe"!), Júlio de Sousa, Raúl, Bernardo e José Luís. O treinador era ainda o grande Artur José Pereira, nosso principal fundador e homem habituado a grandes desafios internacionais havia décadas.
Mas, com a falta de meios e a terrível Guerra Civil espanhola (1936-39), os dois clubes tiveram de esperar algum tempo até se encontrarem de novo.
O reatar e intensificação da relação entre os clubes ocorreram em 1945, ano em que dirigia os destinos do Clube o Dr. Octávio de Brito, tendo por Vice-Presidente Acácio Rosa (se o que vamos contar não basta, lembre-se ainda que o Dr. Octávio de Brito é o único Presidente a ter conseguido no seu mandato a conquista do Campeonato Nacional da 1ª Divisão!).
Recorde-se que, na altura, não existiam ainda competições europeias de clubes, pelo que os desafios internacionais se resumiam a jogos não oficiais, jogos "amigáveis". Desta forma, o "jogo" em si - o futebol - desenvolvia-se de forma distinta nos vários países, não existindo ainda uma percepção clara de quais os países onde estavam as melhores equipas ou o melhor "futebol".
Os primeiros jogos entre Selecções, no entanto, iam fornecendo algumas indicações. Os encontros entre Portugal e Espanha eram exemplo disso, sendo já nessa altura dos mais antigos e numerosos.
Precisamente em 1945 disputaram-se dois deles, em Lisboa (empate a 2-2) e na Corunha (derrota por 2-4), contando - claro - com a presença de um significativo contingente "azul" (5 jogadores!). Se a isto juntarmos o facto de o Belenenses ser uma das equipas mais fortes de Portugal (no Campeonato de 44/45 foi 3ª, em igualdade de pontos com o SCP e a 3 pontos do primeiro [SLB], contando com o 2º melhor ataque e a 2ª melhor defesa), o interesse em intensificar as experiências no estrangeiro aumentou.
Devemos realçar ainda que este interesse não era exclusivo do futebol. Também em 1945 (Fevereiro) deslocou-se a Madrid uma Selecção de Lisboa de Andebol, contando com 4 jogadores Belenenses e o próprio Acácio Rosa como Seleccionador. A iniciativa teve um impacto significativo, mesmo no país vizinho. Para mais os portugueses saíram vencedores por 6-4!
Foi neste contexto que o Belenenses decidiu aceitar o convite para se deslocar a Madrid, não sem ponderar muito bem a "novidade". Transcrevemos em seguida um comunicado do nosso Presidente, justificando precisamente a suposta "audácia" mas comentando também o desfecho, que, como veremos adiante, foi bem auspicioso:
"A saída do primeiro grupo do Belenenses para jogar em Madrid com uma das melhores, senão a melhor equipa de Espanha, representou um empreendimento que não classificaremos de audacioso, porque foi conscientemente ponderado e medidos todos os riscos que se corriam. Possuidores duma turma de jogadores que sabem praticar bom futebol e que se aplicam, quando preciso, com o brio e pundonor de verdadeiros desportistas, nunca duvidámos de que eles não dessem boa conta de si em terras estrangeiras, mesmo quando são bons e carinhosos amigos, como é o caso de Espanha.
Nós sabemos que, para o grande público, conta mais o resultado do que a qualidade do futebol produzido. E a excelência deste nem sempre se traduz em pontos marcados. Certo é porém, que se tornava necessário fazer sair o grupo para os primeiros contactos internacionais e o jogo com o Real Madrid oferecia uma oportunidade a todos os títulos inigualável.
Os nossos rapazes não desmereceram do que deles havíamos esperado. Exceptuado um pequeno periodo de nervosismo, explicável pela estreia e que, só por si, justifica a necessidade e a vantagem do contacto com grupos estranhos, superiorizaram-se na qualidade do futebol que produziram e não se esqueceram da finalidade do jogo : marcar.
A segunda parte do desafio acreditou em Madrid o Belenenses como uma equipa de jogo excepcional e verdadeiramente científico. E bem merecido foi o conceito.
Raras vezes nos será dado ver uma tão perfeita harmonia entre todos os compartimentos da equipa e um brilhantismo de execução que foi inigualável.
O cavalheiresco público madrileno sublinhou o esforço e o valor dos nossos rapazes com aplausos frenéticos de indubitável sinceridade e que quase nos fizeram esquecer de que nos encontráva-mos em pais estranho, embora verdadeiramente amigo.
As apreciações que ouvimos depois do desafio a categorizados dirigentes espanhóis, e que eram despidas de todo e qualquer propósito de cumprimento, encheram-nos de orgulho pelo comportamento admirável desses rapazes, a maioria deles estreantes em desafios de responsabilidade jogados em casa alheia.
Por todos os títulos o baptismo foi auspicioso e abre aos Belenenses largas perspectivas de intercâmbio internacional, tão propícias para o aperfeiçoamento e melhoria do nosso futebol, que se acredita já como um dos melhores da Europa.
É claro que as nossas responsabilidades aumentaram enormemente e precisamos, da compreensão e do auxílio, de todos os Belenenses para as enfrentarmos com coragem e decisão iguais áquelas com que nos batemos em Chamartin no dia 15 passado.
No próximo dia 31 repete-se no Estádio José Manuel Soares o encontro jogado em Madrid. Vai-nos ser oferecida uma oportunidade de mostrarmos aos nossos amigos espanhóis todo o nosso reconhecimento pelo cavalheirismo e excepcional amizade com que nos receberam.
No campo de jogos disputar-se-á, estamos disso certos, um partido entusiástico, cheio de vigor e de beleza.
E só nos resta aguardar o futuro cheio de confiança com a certeza de que nos caberá uma parte importante da honrosa tarefa de, prestigiando as côres do nosso clube conquistarmos em países estrangeiros os triunfos que sirvam, acima de tudo, para honrar o desporto português."
O jogo em causa (em Madrid) foi disputado a 15 de Maio de 1945, com um espectacular e animador resultado: um empate a 2 bolas. O motivo principal do desafio foi uma homenagem ao jogador espanhol Alonso, que se encontrava lesionado há algum tempo. Aliciados pelo curriculum "azul", fortalecido pelos 5 internacionais que haviam jogado (e impressionado) em Madrid pela Selecção, os madrilenos acorreram em massa, esgotando a lotação do seu estádio de então (o Chamartin "antigo"). Antes de se iniciar a partida os dirigentes trocaram lembranças - Octávio de Brito e o próprio Santiago Bernabéu!, enquanto os jogadores de Belém (pelas mãos do grande capitão Mariano Amaro) ofereceram uma caravela de filigrana ao jogador homenageado.
Vejamos agora o relato da partida feito por Cândido de Oliveira, figura ímpar do futebol e da imprensa nacional (basta lembrar que foi co-fundador do Jornal "A Bola", do qual se retirou o excerto):
"Os quatro “goals” da partida
Sob a direcção do conhecido árbitro internacional Ramon Melcon os grupos alinharam:
Real Madrid – Bañon, Querejeta e Corona, Berridi, Ipiña e Huete, Alsua, Rafa, Barinaga, Borbolla e Vidal
Belenenses – Capela, Vasco, Feliciano e Serafim, Amaro e Gomes, Mário Coelho, Quaresma, Armando (Elói), José Pedro e Rafael. [no banco ficaram ainda Acácio e Mário Sério, enquanto o treinador era Augusto Silva, co-adjuvado por Rodolfo Faroleiro - dois "monstros" do futebol Belenense]
O jogo principiou às 19 horas com a saída do Madrid que joga contra o vento que sopra com violência.
Jogo equilibrado, com maior, ainda que pouco, domínio territorial por parte do grupo espanhol que obriga, logo de entrada Capela – que se mostra nervoso e pouco seguro – a duas intervenções a bolas perigosas.
Há a sensação de que o ataque Belenenses não tem consistência para bater a defesa adversária, ao contrário dos dianteiros madrilenos. O trio Vasco, Feliciano, Serafim, anula, porém, as investidas dos “merengues”.
E aos 23 minutos, Madrid marca o primeiro ponto. Capela, que tem saído das redes a destempo, mais uma vez abandonou as redes e isso custou-lhe o “goal”. Berridi que estava um pouco adiantado centrou sobre a baliza – Capela saíu, salta mas não agarra a bola que passa sobre ele e Rafa com oportunidade rematou para as redes.
Cinco minutos depois Madrid faz 2-0, num remate de Alsua. Capela batido pela defesa que fizera dum primeiro remate, não conseguiu evitar que a recarga do extremo direito do Madrid atingisse as malhas.
No segundo tempo há modificações nos dois “onzes”. Na linha do Madrid, Muñoz substitui Rafa, e no Belenenses, sai Armando para dar lugar a Quaresma, entrando Elói para o posto de interior direito.
O domínio que na primeira parte pertencera ao Madrid, que mercê da exibição acertada, conseguiram obter o empate.
No primeiro quarto de hora – aos 11 minutos – o Belenenses diminuiu a desvantagem e este “goal” foi o melhor dos quatro marcados. Amaro, que captara a bola mandada por Capela atira-a para Quaresma; este passa a José Pedro que cruza para Elói; o interior direito lança Mário Coelho que, em corrida lança um potente “shot” e a bola entra nas redes com força, pelo lado direito.
O Belenenses anima e pratica um jogo agradável, de passe raso, em contraste com o do Madrid, com a bola por alto. Passam-se quase trinta minutos sem mais “goals”, mas a cinco minutos do fim os “azuis” estabelecem o empate. A jogada tem semelhanças com a que deu o primeiro ponto. Vasco “pára” uma avançada madrilena e manda a bola para o seu ataque; Quaresma capta-a, “dribla” vários adversários e centra para Mário Coelho que “dispara” um pontapé forte e aí vai a bola vertiginosamente para as redes. Desta vez Bañon ainda tocou na bola mas não evitou que ela entrasse.
A terminar
Bom resultado e um grande jogo do Belenenses no segundo tempo, superando-se a si próprio. O futebol português deve, por certo, ter conquistado muitos adeptos entre o público madrileno. Como afirmação de possibilidades e de sólido nível técnico do nosso futebol julgamos que esta jornada foi decisiva e valiosíssima e, por certo, isto será assinalado pela crítica espanhola. Parabéns ao Belenenses e ao futebol português."
Mais palavras... para quê? Apenas mais estes "ecos", também do Jornal "A Bola":
"Parabéns Belenenses!
O honroso empate de 2-2 conseguido em Chamartin pelo Belenenses, deve encher de satisfação não só a massa associativa do popular clube, como todos aqueles que acompanham de perto a marcha do futebol português.
Depois da consoladora impressão deixada na Corunha pela selecção nacional, com o excelente trabalho produzido na primeira meia hora do encontro, este resultado de agora, em Chamartin, contra o 2º classificado da Liga de Espanha, por muitos críticos considerado como o clube que pratica melhor futebol no seu país, só pôde reforçar essa impressão de acentuada melhoria, especialmente sob o aspecto de organização tática do conjunto.
Não nos arrependemos de ter escrito ainda há pouco, que, nesse capítulo nada tínhamos que aprender com os espanhóis[!].
Os habituais detractores do nosso futebol e os engraçados do "ganhámos moralmente", devem ter ficado bastante surpreendidos com o desfecho da partida de Chamartin, e nota-se já uma ligeira evolução nos comentários feitos, concedendo-se pelo menos que a toada de conjunto se vai revelando mais perfeita de época para época...
Parabéns sinceros aos jogadores do Belenenses pela boa conta que deram de si e do futebol nacional.
Os números do resultado não interessam sobremaneira. Interessa mais a certeza das possibilidades afirmadas para um contacto internacional mais frequente e mais regular, condição indispensável para ganhar classe.
O projecto da “Taça Ibérica” tem agora horizontes mais rasgados na sua frente, e pode defender-se com argumentação mais sólida e mais eloquente.
Foi essa a grande virtude do encontro “Belenenses-Real Madrid”."
Na retribuição da visita, novo êxito, desta vez com uma vitória! A 31 de Maio de 1945 o Belenenses venceu nas Salésias o Real Madrid, com um golo de Rafael.
Estavam lançadas as bases da amizade entre os dois Clubes.
Na época de 1945/46 o Belenenses confirmou a sua superioridade também a nível nacional, conquistando o Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Embora a época seguinte (1946/47) viesse a ser considerada como uma desilusão relativa pelos dirigentes (4ª lugar atrás do FCP!), para a época de 1947/48 renovaram-se as esperanças na equipa. Tendo isto em conta, bem como os agradáveis antecedentes de 1945, parece que não surgiram grandes dúvidas quando os dirigentes do Real Madrid resolveram convidar o Belenenses para a inauguração do seu novo estádio de Chamartin, obra máxima de Santiago Bernabéu, ainda Presidente dos "merengues" (tal como Octávio de Brito dos "pastéis"). De tudo isto mesmo nos deu conta Acácio Rosa:
"O maior estádio, do maior clube da península ibérica, foi inaugurado pelo Belenenses!
As boas relações que a gerência do Dr. Octávio de Brito deixara firmadas aquando da deslocação a Madrid em Maio de 1945, tornaram possível que fosse a equipa do Belenenses a escolhida para o honroso encargo de inaugurar o novo campo de Chamartin (Estádio D. Santiago Bernabéu) [como veio a ser chamado pouco tempo depois], o maior da Península e um dos mais grandiosos estádios pertencentes a agremiações particulares.
A recuperação revelada pela equipa favoreceu a deslocação, pois, por maior que fosse a vontade dos dirigentes do Real Madrid em distinguir os Belenenses, tornar-se-ia inviável a colaboração do Clube se se possuisse uma equipa semelhante à da época passada, reveladora de incapacidade que não permitiria jogos de tão grande responsabilidade.
A representação e o valor da equipa do Belenenses constituiu um êxito e prestigiou-se em todos os aspectos porque possa ser considerada."
O resultado, infelizmente, não foi o melhor: derrota por 3 bolas a 1. Mas a exibição da equipa foi soberba, de tal forma que o reconhecimento por parte da imprensa espanhola foi total e indubitável. Aliás o "caseirismo" do árbitro (e, em parte, o mau estado do terreno) foi o principal factor de influência do resultado, circunstância reconhecida pelos próprios espanhóis. Conclusão? Vejamos em primeiro lugar um artigo da revista portuguesa "Stadium", que resume perfeitamente os sentimentos "nacionais":
"A MELHOR EQUIPA EM CHAMARTIN NÃO VENCEU!
O Belenenses colocou-se muito bem vindo à capital espanhola como veio, no traço de generosidade e solidariedade desportiva que guia os seus passos. Por esta sua acção ganhou ou aumentou o seu prestígio na Península, e o Real Madrid que reconheceu o facto na hora presente – deverá confirmá-lo no futuro, e comportar-se como mandam as boas normas.
Certamente – cada povo tem as suas normas e os seus hábitos. Quanto mais vimos ao estrangeiro – mais gostamos do nosso país, e maios apreciamos o carácter, a lisura e a maneira de receber e tratar da gente portuguesa. Mas não há dúvida que um grande carinho envolveu a equipa de Belém nesta sua deslocação a Madrid.
E para tal contribui poderosamente - seria injusto negá-lo! – a forma de proceder dos seus dirigentes (se os jogadores honraram no rectângulo de luta o desporto, os dirigentes fizeram o mesmo no seu campo de actividade!).
Todos os directores, mas principalmente o Sr. Octávio de Brito, num aprumo e num trato inexcedíveis de correcção, diplomacia e desportivismo, colocaram o Belenenses num plano muito alto. Falando na Emissora de Espanha, no banquete oficial ou assistindo à missa de benção do Novo Estádio de Chamartin, o presidente do Belenenses foi um dirigente à altura do momento.
Escrevemos ainda sentindo a impressão em carne viva de um resultado que não corresponde à verdade do futebol e dos factos. Foi pena que tal tivesse sucedido!
Porque, caso contrário, teríamos escrito uma das páginas mais belas de todos os tempos. Mas a Sorte não o quiz. Seria superior às nossas forças sofrermos em silêncio. É preciso dizer bem alto que, devidamente acauteladas as deslocações, podemos vir a Espanha na certeza de sair do campo de rosto erguido e coração alto. Exigindo, no entanto, arbitragens neutras.
A impressão foi verdadeiramente desoladora para os espanhóis! Eles venceram – mas nós fomos os triunfadores. Por vezes, não ganha quem marca mais golos – mas sim quem pratica melhor futebol.
Para alguma coisa serve jogar bem! E o público espanhol sentiu tão profundamente a diferença de nível entre as duas equipas – que nem soube ser justo. Ficou colado, estético, insensível ao golo português, e na mesma postura quando os rapazes de Belém descreviam alguns trechos tendo por baixo a assinatura de verdadeiros mestres. Os adeptos sentiram a mágoa proveniente da superioridade portuguesa e impeliram o árbitro para o mau caminho.
Quanto mais recordamos o jogo e melhor analisamos a arbitragem – mais motivos de censura encontramos. Dir-se-ia que a orientação do juiz foi doseada – conforme o resultado e a evolução da partida. Ainda a meio-campo – tudo correu mais ou menos bem, com a folga própria do futebol associação. Mas no risco da grande área – fomos punidos muitas vezes, e ainda e agora perguntámos aos nossos botões, porquê?
- Porque não podíamos ganhar, embora fôssemos superiores. E a nossa superioridade resultou precisamente da disciplina e harmonia do conjunto, em luta contra onze individualidades. De um lado – um quadro moderno do jogo. Do outro – um team nas melhores praxes que, desejando evolucionar, não o conseguiu ainda...
O Belenenses colocou em plena inauguração de Chamartin - o qual esteve até sábado, pelas 15 e 30, para não se verificar, por a vistoria assim o entender! – um espelho enorme para todos verem os nossos progressos, posto que revelasse exageradamente um dos grandes defeitos lusitanos – a falta de remate. Digam o que disserem, os espanhóis compreenderam que já não se pode jogar como ainda jogam – atrasados uma dezena de anos [!]...
Não foi apenas o mérito da boa lição do sistema de marcação que os portugueses puseram no rectângulo, mas ainda o seu esforço – admirável esforço!- de boa execução e de articulação de movimentos, ao ponto de não haver defesas, médios e avançados, mas só jogadores capazes de fazer qualquer lugar e de desempenhar todas as funções. Os Belenenses traçaram futebol rasteiro e preciso, jogando maginificamente até à área da verdade – para depois se perderem... Claramente, nem todos jogaram bem; um ou dois actuaram, mesmo, manifestamente mal, mas o que pretendemos agora é dar uma ideia do conjunto, e o bem é muito superior ao mal.
Estamos a ver uma objecção. Poder-se-á argumentar que, apenas da sua inferioridade tactica, e mesmo do seu carácter individual, os espanhois atacaram algumas vezes, e com perigo, visto a linguagem dos golos ser eloquente e expressiva. Ninguém lhes tira o valor do remate, e decerto eles não têm culpa que os belenenses da frente teimassem em não fazer gols.
Teimosia pura! O que impressionou e feriu a sensibilidade do publico foi a diferença do nivel futebolistico entre os dois grupos.
Lutámos contra a arbitragem - talvez fosse pior se os jogadores portugueses não tivessem protestado contra as injustiças'! - e havermo-nos com um relvado de inferior qualidade, escorregadiço e pouco uniforme, constituindo um handicap sério para quem pretende fazer futebol de precisão e de qualidade."
E agora, como resumiram Cândido de Oliveira e Tavares da Silva (outra grandiosa figura do nosso futebol):
Cândido de Oliveira (A Bola): "Em conclusão, o Belenenses jogou melhor, mas perdeu. É isto frequente no futebol e até de certo modo é lógico, se examinarmos uma partida não pelo que ela teve de mais saliente em todo o terreno, a atacar e a defender, mas perto da área da baliza das duas equipas."
Tavares da Silva (Diário de Lisboa): "Os grandes adversários dos Belenenses no desafio que ontem disputaram em Chamartin foram sem dúvioda o árbitro e o terreno. Principalmente a arbitragem de Pedro Escartin foi “patriótica” de uma maneira incrível."
Se porventura se poderá suspeitar dos relatos "nacionais" (embora os padrões jornalísticos estivessem muito acima dos de hoje), fiquemos então com diversos relatos dos próprios jornais espanhóis. Não deixam muitas dúvidas sobre o nosso valor e até a modernidade do nosso futebol:
El Pueblo (Madrid):
"(3,30 de la tarde)
El Madrid venció 3-1 a los belenenses en la inauguración del nuevo Chamartín.
Barinaga logró el primer gol en el nuevo terreno
Alonso, autor de otros dos tantos, fué la figura del partido – el equipo portugués hizo gran juego
GRATA IMPRESIÓN: Os Belenenses causaron una grata impresión. Sus hombres, son prueba eficiente de la mejora de futbol portugues. Su colocación es magnifica, hija de una preparación técnica envidiable. Nos pareció fIojo el portero Serio; Vasco y Feliciano forman una pareja asombrosamente agil dado su peso. De los medios destaca el pesar facil y la inteligente colocación del centro, Figueiredo. Los alas, Amaro y Serafim, sirven magistralmente al ataque y tienen ductilidad para replegarse a la defensa. La delantera es una unidade admirable, formada por “ligeros” que dominan el cuero, el dribling y el pase y tienen ese sprint corto que es imprescindible en los delanteros."
Marca (Madrid):
"Para nosotros no es una novedad el adelanto técnico del futbol portugués. Llevamos unos años diciéndolo. Un equipo de clube, éste del Belenenses, confirmó su actual puesta de relieve frente a España en los últimos encuentros internacionales. El domingo, en el estadio de Chamartin el Belenenses, al estilo del San Lorenzo [o mítico San Lorenzo de Almagro, da Argentina] – a una apreciable distancia de aquellos formidables jugadores -, nunca envió el balón hacia delante a lo que salga. Siempre intentó entregarlo por bajo de un jugador a otro, en pases cortos o largos, buscando constantemente el desmarque.
Y al igual que en toda Europa, empleó el sistema de los tres hombres atrás. Estos jamás se adelantaban. Buena técnica en el conjunto, entrenado a conciência por el preparador argentino Scopelli. Y un defecto en su juego. Falta de dureza y de facilidad en el disparo. Los delanteros se movian y combinabam excelentemente, pero no disparaban. Asi el Madrid pudo ganar.
De este cuadro, cuya mejor cualidad fue su homogeneidad, no sobresalieron individualidades. Quizá destacaran entre sus internacionales el interior Quaresma, con la agilidad de su juego, y el futbol sólido del defensa Feliciano, aunque a veces lo burlara Barinaga."
Informaciones (Madrid):
"(...) Después – a los veintinueve minutos – el interior izquierda, desde lejos, largó un tiro por alto, que sorprendió al arquero madrileño, y que llegó al fond de la red; pero Escartin no dio por válido este gol; él sabrá por qué… [ora aqui está o reconhecimento do prejuízo "arbitral"]
También le fue anulado al Madrid otro gol marcado por Barinaga. En paz? No, porque esta vez si que hubo fuera de juego. En la segunda parte, Ortiz sustituye a Pont en el grupo madridista. Con esto se pretende ayudar a Ipiña, que ya no está para pelear con chavales. Pero los del Belenenses, merced a su excelente preparación física, corretean por todo el campo de un lado a otro, como gastando la polvora en salvas…"
Ora aqui temos: O Belenenses a jogar um futebol moderno, em linha com a vanguarda na Europa, de fazer corar os madridistas. Para isto muito contribuiu o técnico de então e "mito azul", Alejandro Scopelli. Foi ele que introduziu em Portugal o sistema WM, que como se pode ver surpreendeu até os espanhóis nesta visita do Belenenses. O Belenenses, à frente do Real Madrid!
Para que conste, aqui fica a equipa do Belenenses que alinhou nesse dia de 14 de Dezembro de 1947: Sério, Vasco, Feliciano, Serafim, Figueiredo, Mariano Amaro, Rocha, Quaresma, Teixeira da Silva, Pereira Duarte e Narciso. Artur Quaresma foi o autor do nosso golo (o único validado), tornando-se assim no primeiro estrangeiro e adversário do Real Madrid a marcar na sua nova casa!
Devemos referir também que a equipa de Basquetebol do Belenenses também acompanhou a comitiva a Madrid, obtendo resultados espectaculares: duas vitórias (34-51 e 31-35), conseguindo o troféu em disputa. Não esqueçamos a força do basquetebol do Madrid, patente até aos nossos dias!
Entretanto, nos anos seguintes, os "destinos" dos dois clubes foram divergindo significativamente. Poucos anos depois despediam-se do futebol Amaro (de forma infeliz), Artur Quaresma e Rafael, por exemplo. Para a época de 50 valeu ainda a chegada de outros excelentes jogadores, como Matateu, Di Pace ou Vicente.
Em 1954/55, curiosamente, Belenenses e o Real Madrid encontraram-se de novo, desta vez nas suas respectivas estreias em competições internacionais europeias. Foi a pioneira Taça Latina, tendo os "merengues" vencido em Paris por 2-0 (no outro jogo o Belenenses perdeu com o Milan - em Milão - por 3-1). O jogo teve lugar no dia 22 de Junho de 1955, no Parque dos Príncipes.
De qualquer forma, nesse torneio, Di Stefano e os seus companheiros não foram o maior alvo de atenções. Foi Matateu! Para a imprensa estrangeira, em unanimidade, foi ele a sensação da Taça Latina!
A equipa do Belenenses presente em Madrid foi a seguinte: José Pereira; Francisco Pires, Serafim Neves, Raul Figueiredo, Vicente Lucas, Di Pace, Dimas, Matateu, Ricardo Perez, Alberto Tito e Carlos Silva (recentemente falecido).
No ano seguinte começaria a disputa da Taça dos Campeões Europeus, cujas 5 primeiras edições foram conquistadas... pelo Real Madrid!
Avançando no tempo, veio uma década de 60 particularmente má para o Belenenses, enquanto o Real Madrid alcançava a sua 6ª Taça dos Campeões, em 1966. Era o fantástico Madrid "ye-ye" (por alusão à música dos Beatles - "She loves you, yeah yeah"), onde pontuavam Puskas, Amancio, Pirri ou o seu lendário capitão, Francisco ("Paco") Gento, que elevou o novo troféu.
E veio a ser o próprio Paco Gento o alvo de uma grande homenagem de despedida... em coincidência com o 25º aniversário da inauguração do Bernabéu! E ao pensar na equipa a convidar para tamanha festa, os dirigentes do Real Madrid parece que não perderam muito tempo. Escolheram a equipa que, 25 anos antes, tinha inaugurado o Santiago Bernabéu: o Belenenses.
Era na altura Presidente o Major Baptista da Silva... e, curiosamente, a equipa de futebol, novamente sob o comando do "regressado" Scopelli, estava a fazer uma época brilhante, um "oásis" no meio de épocas obscuras. Com efeito viria a obter melhor classificação dos últimos 51 anos, o 2º lugar! Talvez a boa época (em curso na altura) tenha pesado na decisão dos madridistas... apesar de tudo.
A equipa do Belenenses era de facto excepcional, contando com muitos dos melhores jogadores da nossa história mais recente, alguns dos quais indirecta ou directamente afamados no futebol português, por outras "andanças": Mourinho, Parreira, Calado, Freitas, Pietra, Murça, João Cardoso, Quinito, Alferdo Quaresma (o capitão, recentemente falecido), Godinho, Laurindo, Luis Carlos, Eliseu e Gonzalez (inesquecível e mágico paraguaio). Pese a modernidade do futebol de então, estes jogadores eram ainda - e são na sua maioria, felizmente - grandes Belenenses, com um amor à camisola impressionante.
A 14 de Dezembro de 1972 realizou-se então o jogo de comemoração das Bodas de Prata do Bernabéu com a grandiosa homenagem a Paco Gento. O público encheu 60.000 lugares do estádio para mais um grande jogo de futebol. Devemos referir que, dado o estatuto de Paco Gento, o Real Madrid viu-se "reforçado" para esta festa com outros grandes jogadores da época, como Dobrin (Rússia), Bené (Hungria), Djaric (Jugoslávia) e... Eusébio.
O resultado foi uma derrota por 2-1 - por si só menos má - mas a exibição foi também muito honrosa, um autêntico brilharete. Gento, o homenageado, saíu aos 28 minutos, não sem antes marcar o seu último golo pelo Real Madrid, na marcação de uma grande penalidade (se foi justa, não sei). Aliás, o público do Bernabéu gritou em coro o seu nome para que marcasse o referido penalti.
Chegados ao intervalo o Belenenses perdia por 2-0, acrescendo um outro golo do Madrid (por Pirri).
Na 2ª parte foi Quaresma que marcou o golo de "honra", honrando assim o Clube bem como a amizade de décadas para com o grande Real Madrid.
Mais tarde, em 1980 (14 de Agosto), as duas equipas voltaram a encontrar-se, na disputa do XXIIº Torneio da Cidade de Palma, em Palma de Maiorca. No estádio Lluis Sitjar (do RCD Maiorca) os "merengues" venceram apenas por 2-1, pese a diferença de valor das equipas (talvez a maior neste historial).
Alguns dos nomes madridistas ainda estarão bem presentes na nossa memória (inclusivé por terem integrado a Selecção anfitriã do Mundial de 1982, em Espanha): Santillana, Angel, Gallego, Juanito, Camacho (que já foi treinador em Portugal)...
Do lado do Belenenses alinharam: Delgado; Lima, Alhinho, Tózé, Carlos Pereira, Nogueira (Pinto da Rocha), Isidro, Baltasar, Djão, Moisés e Gonzalez. Djão foi o nosso marcador de serviço (não era de estranhar).
Dois dias depois o Real Madrid venceria este torneio, derrotando a Real Sociedad (horas antes o Belenenses teve de se contentar com o 4º lugar, ao perder com o Bohemians de Praga - da então Checoslováquia).
Foi assim que o Belenenses teve o privilégio de participar em grandes momentos de um dos melhores clubes do Mundo, dignificando por sua vez as suas cores e o valor do futebol português.